segunda-feira, fevereiro 23, 2015

Adenda ao Nepotismo

Num tom mais confessional, e com sono (o que me dá forte para a depressão), aqui vai um relato:

Já há muito que deixei, de facto, de trabalhar para uma sociedade. Agora, trabalho para uma família. Isto seria bom se a família fosse a Azevedo, Mello, Amorim e, na locura, Corleone. Mas não. Ser da margem sul, com tudo de bom que de lá advém, oferece, não raras vezes, uma purga olimpica, de maneiras que trabalho para os Silva.

Os Silva são pessoas de origem humilde. Ora, isso não é virtude nenhuma, refira-se. Ter uma origem humilde está no plano de a humanidade ter de respirar para viver ou ter nascido preto. Não se escolhe, é assim e pronto.

Adiante.

A verdadeira nobreza está nos actos praticados quando se deixa de ser humilde, a nível financeiro. Eis que chega a bifurcação: de um lado, ser um merdas mete-nojo que agita a nota como se exibisse a taça da liga dos campeões; por outro, continuar a ser um ser sóbrio, que faz a sua vida, sem que o poder recém-adquirido lhe suba à cabeça.

A família Silva é constituída por Silvas mais velhos e Silvas mais novos. Dos novos falei anteriormente. Hoje é dos velhos que me ocupo.

Conheço a matriarca. Não conheci o patriarca. Conheço filhos, noras, netos.

Estamos a falar de um clã em que perto de 100% dos elementos não vale um chavelho.

Para aquela agremiação familiar, estou em crer que tenho o mesmo valor de um caniche, isto é, um cão com bastante volume, ainda que pequeno, que merece uma taça de ração e água.

Um dos Silvas é meu patrão. Tudo bem, quase todos temos um. Não vem mal ao mundo. Ideal era sermos todos patrões.

Esse Silva tem um irmão Silva. E esse irmão Silva tem a dignidade que a Constituição lhe confere. É problemático, uma vez que também tem personalidade jurídica. Isto é simples: não pode ser atropelado voluntariamente, ter um acidente provocado por terceiros que o vitimize mortalmente ou magoe muito, nem lhe podemos imputar condutas de orientação duvidosa.

E é este o meu lamento.

Obrigado, bom dia.

(Estou a escrever este post de irritação porque o homem entrou no meu gabinete e tive de levar com um tratado sobre a temperatura certa do Ar Condicionado. Quase me proibiu de ter frio. Se calhar, proibiu mesmo.)